O Mundo Agora Podcast Por RFI Brasil arte de portada

O Mundo Agora

O Mundo Agora

De: RFI Brasil
Escúchala gratis

Acerca de esta escucha

Crônica semanal de geopolítica internacional. Os fatos que são notícia no mundo analisados por Thiago de Aragão, direto dos Estados Unidos, e Thomás Zicman de Barros, da Europa.

France Médias Monde
Política y Gobierno
Episodios
  • A Europa, o Azerbaijão e o silêncio sobre Bahruz Samadov
    Jul 7 2025
    Bahruz Samadov tem 30 anos, é pesquisador e pacifista – e foi injustamente condenado a 15 anos de prisão no Azerbaijão. Sua história, ignorada por líderes europeus, revela os silêncios convenientes da política internacional e mostra, mais uma vez, como o petróleo costuma pesar mais que a democracia. Thomás Zicman de Barros, analista político Hoje eu vou falar sobre o Azerbaijão. Sim, o Azerbaijão: um pequeno país que muitos sequer sabem apontar no mapa e que raramente recebe atenção no noticiário brasileiro. Para explicar o motivo, basta um nome e um sobrenome: Bahruz Samadov. Ele é um jovem pesquisador, de 30 anos, que acaba de ser injustamente condenado a 15 anos de prisão sob a acusação de alta traição. Sem dúvida, alguém pode se perguntar: “Mas o que isso tem a ver com a Europa?” – que, afinal, costuma ser o assunto dessa coluna. Esta crônica trata da Europa sob diversos aspectos. Primeiro porque, tecnicamente, o Azerbaijão faz parte da Europa. O país fica no Cáucaso, considerado a fronteira sudeste do continente. É banhado pelo Mar Cáspio, sua capital é a cidade de Baku e faz fronteira com a Geórgia, a Armênia – dois países também frequentemente incluídos no mapa político da Europa –, a Rússia, a Turquia e o Irã. É um país de maioria muçulmana xiita, mas com um governo, em princípio, laico. Além disso, o Azerbaijão é membro do Conselho da Europa, uma instituição que reúne quase todos os países do continente. E aqui podemos entrar no segundo ponto em que a Europa aparece nessa crônica: as relações entre líderes europeus e o governo azeri. Afinal, há países do continente que não integram o Conselho. A Rússia, por exemplo, foi expulsa após a invasão da Ucrânia. Belarus, por sua vez, jamais foi aceita. Em ambos os casos, o motivo é a cláusula democrática prevista pelo estatuto da organização, que, em princípio, só permite que lá estejam democracias. Então o Azerbaijão é uma democracia pujante? A realidade é mais complicada. País do ex-bloco soviético O Azerbaijão fez parte do Império Russo, depois integrou a União Soviética e, no início dos anos 1990, com o colapso do bloco socialista, se tornou um país independente. Seu primeiro presidente foi Heydar Aliyev, um homem forte da KGB nos tempos soviéticos, que depois passou o poder, em 2003, para o seu filho, Ilham Aliyev, que governa o país há 20 anos – e que inclusive colocou a própria esposa no cargo de vice-presidente. É verdade que o clã Aliyev tem apoio interno. O país cresceu muito nas últimas décadas, enchendo o bolso de alguns, apesar da desigualdade ter também aumentado. Isso dito, o apoio também é mantido pela perseguição a opositores e por um discurso nacionalista inflamado nos últimos três anos, quando o Azerbaijão iniciou uma controversa guerra com a Armênia pela região do Alto Carabaque. Trata-se de um território historicamente disputado – como tantos no antigo espaço soviético, onde fronteiras rígidas tentam separar povos que sempre viveram lado a lado –, e em 2023 o Azerbaijão forçou o êxodo da população armênia da região, num ato que muitos classificam como limpeza étnica. Mas, apesar de tudo isso, o Azerbaijão continua sendo tratado como um parceiro confiável. Por quê? Em grande parte porque Baku tem petróleo e gás. E petróleo e gás, como sabemos, podem em muitos momentos pesar mais do que compromissos com democracia e direitos humanos. Foi nesse contexto que Bahruz foi preso. Ele havia voltado ao Azerbaijão em agosto do ano passado para visitar sua avó, Zibeyde Osmanova, octogenária e única integrante viva da família. Era doutorando na Universidade Carlos, em Praga, e nunca se envolveu em qualquer ato de violência. Seu crime? Escrever colunas de opinião em inglês sobre política caucasiana e manter contato com outros ativistas pela paz – inclusive da Armênia. Isso foi o suficiente para ser acusado de traição e condenado a 15 anos de prisão. Na semana da condenação, ele tentou tirar a própria vida. Um colega de cela o salvou. Hoje, ele foi transferido para uma prisão numa região árida e isolada, em condições preocupantes. Bahruz se tornou um símbolo, um rosto para a repressão política no Azerbaijão. Mas está longe de ser um caso isolado: segundo organizações independentes, mais de 375 dissidentes estão atualmente presos no país, entre eles mais de 25 jornalistas, além de pesquisadores e ativistas forçados ao silêncio ou ao exílio. Silêncio A Europa, tão rápida em denunciar abusos quando a Rússia invadiu a Ucrânia, dessa vez ficou praticamente em silêncio. Quando o Azerbaijão inicia guerras e prende opositores, poucos reagem. Ao contrário: Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, trata Aliyev como um grande parceiro. No ano passado, o Azerbaijão sediou a COP29 – uma conferência do clima presidida por um país cuja riqueza vem do petróleo. E...
    Más Menos
    5 m
  • Entre ameaças e recuos: o estilo Trump nas relações comerciais globais
    Jul 2 2025

    Donald Trump voltou a colocar o comércio internacional no centro da sua estratégia geopolítica, reacendendo disputas tarifárias e retomando negociações com alguns dos principais parceiros comerciais dos Estados Unidos. No entanto, sua abordagem, marcada por improvisos, ameaças e recuos, tem produzido mais incertezas do que consensos duradouros.

    Thiago de Aragão, analista político

    A recente reunião com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, na última sexta-feira (27), ilustra bem esse estilo: avanços pontuais são ofuscados por uma condução errática que dificulta previsibilidade e confiança. Ao mesmo tempo, sua postura frente à China e sua retórica diante da União Europeia indicam que, mais do que construir pontes, Trump ainda aposta em táticas de pressão unilateral como principal moeda de negociação. Uma estratégia que pode ter efeitos imediatos, mas cobra caro no longo prazo.

    Nas negociações com a China, Trump conseguiu uma trégua tarifária de 90 dias, evitando aumentos imediatos e abrindo espaço para discussões sobre matérias‑primas estratégicas, como as terras raras, o que, por ora, acalmou os mercados e gerou fôlego político. Ainda assim, sua estratégia de alternar ameaças e recuos, apelidada por investidores de Wall Street de “TACO Trade” (Trump Always Chickens Out), mina a credibilidade: ao impor tarifas altas, recuá-las sob pressão e depois retomá-las, ele gera instabilidade para empresas e consumidores.

    Com relação à Índia, Trump deixou claro que energias estão voltadas para um “acordo muito grande”, especialmente após se reunir com Narendra Modi. A Índia, por sua vez, ofereceu eliminar tarifas sobre commodities como amêndoas, pistaches e nozes, além de estender tratamento preferencial a setores estratégicos como energia, automóveis e defesa. Esse avanço mostra coordenação entre os líderes e um comprometimento bilateral.

    Porém, os problemas persistem. A mais recente rodada de negociações enfrentou impasses graves: divergências sobre tarifas em autopeças, aço e produtos agrícolas ameaçam bloquear o acordo com prazo até 9 de julho. Além disso, Trump pressiona por cortes profundos de tarifas indianas em soja, milho, automóveis e bebidas, exigindo também redução de barreiras não‑tarifárias, o que os indianos consideram excessivo. Sem a aprovação da TPA (Trade Promotion Authority) pelo Congresso, Trump não tem mandato claro para reduzir tarifas unilateralmente, o que fragiliza sua posição.

    Também há fatores internos na Índia: o partido opositor cobra maior transparência, enquanto temores sobre concessões em áreas sensíveis, como segurança fronteiriça relacionada ao Paquistão, criam tensão política.

    No caso da União Europeia, Trump adiou sua ameaça de tarifas de até 50% até 9 de julho, mas deixou claro que carros, aço e alumínio estão na mira. A UE, por sua vez, está aberta a negociar, mas ressalta que “all options remain on the table”, ou seja, retaliações de até € 95 bilhões estão preparadas se o acordo não for equilibrado. Internamente, Alemanha pressiona por um acordo rápido para proteger sua indústria automotiva, enquanto a França rejeita termos assimétricos, o que deixa o consenso europeu ainda instável.

    No fim das contas, Trump vem tentando ser eficaz ao usar a tensão tarifária como instrumento de negociação: ele pressiona parceiros e usa o tempo a seu favor. Contudo, sua inconsistência (ameaça, recua, ameaça de novo), os termos exigentes e a falta de legitimidade no processo (como no caso da Índia, sem TPA) corroem sua reputação como negociador confiável. Com Modi, houve avanços reais, mas também falhas críticas que podem estacionar o acordo. Já com a UE, o futuro depende de Trump repetir uma tática coercitiva ou partir para um compromisso mais estruturado, antes que o prazo de 9 de julho chegue sem perspectivas claras.

    Más Menos
    5 m
  • Quando neutralidade vira cumplicidade: o papel dos países europeus no conflito entre Irã e Israel
    Jun 23 2025
    Quando líderes europeus começavam a esboçar críticas à matança em Gaza, o ataque israelense ao Irã os devolveu à chantagem de Netanyahu — à qual continuam a se submeter, não sem cumplicidade. Thomás Zicman de Barros, analista político* Já faz dez dias que Israel iniciou sua ofensiva militar no Irã. No sábado (21), Donald Trump anunciou que os Estados Unidos haviam se unido aos esforços israelenses e bombardeado alvos ligados ao programa nuclear iraniano. Onde, porém, fica a Europa nessa situação? O novo chanceler alemão, Friedrich Merz, declarou que Israel está “fazendo o trabalho sujo” dos países ocidentais ao bombardear o Irã — uma frase que, em sua franqueza, escancarou uma cumplicidade calculada. Ao mesmo tempo, o presidente francês Emmanuel Macron responsabilizou Teerã pela escalada, mesmo diante de ataques israelenses que violaram de forma inequívoca o direito internacional e sabotaram negociações diplomáticas já em curso. Mesmo sem entrar diretamente no conflito, Reino Unido, França e Alemanha, cada um à sua maneira, reafirmaram o alinhamento com Israel num momento em que, após quase dois anos de genocídio em Gaza, começavam a emergir críticas à brutalidade da campanha militar e ao governo de extrema direita que conduz o país. O ataque ao Irã interrompeu esse movimento — e fez recuar até os mais tímidos sinais de desconforto. Mesmo os esforços subsequentes para um retorno à diplomacia, como a reunião infrutífera entre europeus e iranianos em Genebra na sexta-feira (20), mostraram-se insuficientes para conter a escalada ou mudar o tom público das potências europeias. Ao contrário, mesmo após a entrada dos americanos na ofensiva contra o Irã, a primeira reação de Kaja Kallas, chefe da diplomacia europeia, foi de condenar Teerã. Essa postura escancara a seletividade na aplicação do direito internacional — para não dizer seu caráter farsesco. O que é intolerável em alguns casos é relativizado em outros. O que é chamado de crime, noutros contextos, vira legítima defesa. Apoio europeu a Israel responde a razões históricas e estratégicas O apoio europeu a Israel não se dá apenas por inércia diplomática: responde a razões históricas e estratégicas. A Alemanha invoca um “imperativo moral” de apoio incondicional a Israel desde o pós-guerra — mas esse imperativo, longe de promover responsabilidade ética, tem frequentemente servido para silenciar críticas legítimas, com censura e perseguição a manifestações contrárias à ofensiva israelense. França e Reino Unido, embora menos marcados por esse passado, seguem tentando preservar sua influência num cenário de instabilidade regional crescente. A contenção do regime iraniano — percebido como agente central de desestabilização no Oriente Médio — serve como justificativa conveniente para manter o apoio a Israel, mesmo diante de um ataque preventivo sem base legal que, este sim, elevou o risco de uma escalada regional. Ao se repetir apesar de transgressões reiteradas, esse apoio fragiliza a credibilidade europeia e expõe o uso seletivo das normas que ela mesma reivindica como universais. Para entender essa lógica de cumplicidade, é preciso enxergar os múltiplos reféns que o governo Netanyahu produz — por diferentes meios e em diferentes planos. Sim, há os reféns reais ainda mantidos pelo Hamas, cuja libertação Netanyahu encena buscar. Mas há também outros tipos de reféns, dentro e fora de Israel. Identidade judaica refém de Netanyahu O primeiro deles é a própria identidade judaica. Há décadas, Netanyahu tenta fundir seus governos ao Estado, e o Estado à identidade judaica — como se fossem uma só coisa. A crítica ao seu governo vira crítica a Israel; a crítica a Israel, antissionismo; o antissionismo, antissemitismo — quando não puro negacionismo do Holocausto. Essa cadeia de equivalências é falsa, mas altamente eficaz. Ela silencia vozes dissidentes, inclusive judaicas. E consolida, tanto à esquerda quanto à direita, a ideia de uma judaicidade à imagem e semelhança da base social de Netanyahu: uma extrema direita ultraortodoxa, nacionalista, e parte significativa da população mizrahi — historicamente marginalizada pela elite asquenaze, e hoje marcada por ressentimentos e receptiva ao discurso de força. Esse movimento interno se intensificou com os atentados de 7 de outubro de 2023. Antes deles, Netanyahu enfrentava um desgaste crescente — político, institucional e jurídico — e o país vivia uma das maiores ondas de protesto de sua história recente, contra os ataques do governo à independência do Judiciário e às liberdades democráticas. O primeiro-ministro, à época, já acumulava acusações de corrupção e se via confrontado com a possibilidade concreta de prisão. Pela primeira vez em décadas, esboçava-se uma articulação entre setores progressistas judeus e partidos árabes — ainda incipiente...
    Más Menos
    4 m
Todavía no hay opiniones