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  • “Bailables”: o espetáculo que mistura flamenco, forró e amizade brasileira no coração de Madri
    Jun 1 2025

    Às dez da noite de uma quarta-feira, quatro músicos e um bailarino de flamenco se encontraram para ensaiar no Molino de Santa Isabel, uma escola de música no centro de Madri, onde receberam a equipe da RFI. Juntos, eles ajustaram os últimos detalhes para a estreia do espetáculo "Bailables", que acontece neste domingo (1º).

    Ana Beatriz Farias, correspondente em Madri

    O show une música autoral e dança, mesclando o flamenco com ritmos brasileiros e influências musicais de diversas partes do mundo. Diferentes estilos, às vezes, se encontram em um mesmo número — tem até a junção de tango flamenco com forró brasileiro.

    Quem está à frente do projeto "Bailables" é Letícia Malvares, flautista, compositora e arranjadora carioca radicada na Espanha há dez anos. Antes de se firmar profissionalmente na música, Letícia era bailarina de dança de salão. Mais tarde, quando começou a tocar flamenco, seu caminho voltou a cruzar com a dança.

    Sabendo que “o jeito de ter contato com o flamenco no Brasil é por meio das escolas de dança”, a flautista decidiu tocar, em 2006, em um espetáculo de fim de curso de uma dessas academias. Foi aí que ela se apaixonou de vez pelo estilo musical. “Hoje, é das coisas que eu mais gosto de fazer na vida: tocar para ver o povo dançar enquanto eu toco”, conta.

    Letícia descreve o espetáculo "Bailables" — que em português poderia ser traduzido como “Dançáveis” — como uma consequência natural de sua trajetória artística. Algumas das canções do repertório foram compostas especialmente para serem coreografadas. “A dança, para mim, é muito fundamental, me inspira. E minha música é dedicada à dança e inspirada na dança também”, explica a compositora.

    Parceria além dos palcos

    Para transformar as canções em movimento, Letícia conta com outro brasileiro: o gaúcho Gabriel Matias, bailarino de flamenco. Dançando sobre o tablado, ele acrescenta ainda mais elementos típicos do flamenco à mistura de ritmos criada para o espetáculo. Como "bailaor" profissional, Gabriel domina o improviso. E, no espetáculo "Bailables" — que também abre espaço para a improvisação musical —, ele inclui passos improvisados no palco. No entanto, para que isso funcione, é necessário um trabalho prévio intenso: “muito profundo, extenso e constante”, como destaca o artista.

    Já são meses trabalhando no repertório do show. “É a união do estudo e da prática com o frescor desse momento, do improviso, de coisas que nascem e são únicas nesse espaço e nesse tempo, que vai ser o domingo”, narra, entusiasmado.

    Parceiros profissionais desde o Brasil, foi na Espanha que a amizade entre Letícia e Gabriel se fortaleceu. Isso aumenta ainda mais a expectativa de Gabriel para a estreia de "Bailables". “É muito especial. Primeiro, pela nossa relação de amizade – que é muito bonita. Segundo, pela qualidade artística que tem esse projeto. E terceiro, pela dificuldade que é, em muitos aspectos, estrear um projeto autoral.”

    Uma banda, muitas referências

    Na dança, além de Gabriel, o espetáculo contará com a participação da "bailaora" Lisi Sfair. Já na música, Letícia Malvares é acompanhada por músicos de diferentes origens e estilos.

    A brasileira apresenta os companheiros de jornada à RFI: “O Pantera Acosta é mexicano, toca flamenco, mas é do mundo pop. Ele toca em uma banda chamada Jenny and the Mexicats. Tem a Kyra Teboe, pianista, que é jazzista de berço, norte-americana. E tem o Epi Pacheco, de San Fernando, que é flamenco, flamenco, flamenco. Então, a gente tem todos os elementos.”

    O espetáculo busca ter um público tão diverso quanto o grupo de artistas que o compõe. Ao longo da carreira, Letícia Malvares tem trabalhado para isso, em um processo de formação de público que reúne pessoas de diferentes origens. Os encontros com o público surgem desde as aulas de flauta que Letícia ministra em Madri até as apresentações de flamenco de que participa, passando pelas rodas de choro que frequenta, como flautista, todos os meses.

    “Tem gente de todo canto, e eu quero cada vez mais que tenha gente de todo canto. A minha música está para quem está interessado em conhecer música autoral”, descreve Letícia, que dedica seu som a ouvintes de mente aberta. Muita coisa que pode ser ouvida no show provavelmente vai “soar diferente”; não será o que a plateia está acostumada a ouvir, segundo a artista. Mas ela também aposta que haverá elementos que soarão familiares.

    Em 1° de junho, a apresentação de "Bailables" acontece na Sala Villanos, em Madri. Depois, haverá apresentação também no dia 27 de junho, dentro da programação do Festival Galapajazz, em Galapagar, na Espanha.

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  • Consulado em Lisboa cria espaço dedicado a acolhimento de mulheres brasileiras
    May 26 2025
    O Espaço da Mulher Brasileira (EMuB) foi oficialmente inaugurado em março deste ano, com o objetivo de acolher, apoiar e empoderar mulheres brasileiras que vivem em Portugal. A iniciativa, promovida pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, já está presente em outras cidades como Roma, Londres e Miami, e agora chegou à capital portuguesa para responder de forma concreta às demandas da comunidade local. Luciana Quaresma, correspondente da RFI em Lisboa“O EMuB em Lisboa é um momento histórico para o consulado e para todas as brasileiras que vivem em Portugal. É a concretização de um compromisso com a proteção, orientação e o empoderamento das mulheres brasileiras em situação de vulnerabilidade”, afirmou o cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Alessandro Candeas, em entrevista à RFI.Apoio em momentos de vulnerabilidadeO EMuB Lisboa foi pensado para funcionar como um ponto de acolhimento e atendimento especializado para mulheres que enfrentam situações delicadas, como violência doméstica, dificuldades de regularização documental, acesso à saúde ou justiça e insegurança econômica. O espaço oferece orientação jurídica e psicológica, além de ações educativas e de capacitação.“Queremos oferecer um atendimento humanizado, respeitoso e eficiente. O EMuB vem somar ao trabalho que já realizamos no setor de assistência consular, mas com um olhar ainda mais atento e dedicado às mulheres. É um avanço”, destacou Candeas.Desafios e parcerias para manter o atendimentoApesar da importância da iniciativa, o projeto enfrenta desafios estruturais. A escassez de recursos orçamentários tem impedido a contratação de novos profissionais. As atividades, por enquanto, são executadas pela própria equipe do setor de assistência do consulado. Para superar esse obstáculo, a instituição vem articulando parcerias com entidades e profissionais que atuam de forma voluntária.“Mesmo com restrições financeiras, temos conseguido oferecer serviços de qualidade, graças ao empenho da equipe e das parcerias que estamos construindo. É um esforço conjunto em prol de uma causa urgente”, ressaltou o cônsul.Ele também destacou a necessidade de informar a comunidade sobre os limites legais da atuação consular. “O consulado não pode substituir as autoridades locais, mas pode — e deve — orientar e apoiar. Esse é o papel do EMuB: mostrar os caminhos, facilitar o acesso e oferecer acolhimento.”A cônsul-adjunta do Brasil em Lisboa e coordenadora do EMuB, Nássara Thomé, reforça a importância de que mulheres em situação de risco saibam como agir. “É essencial que, diante de uma emergência, a mulher — seja brasileira, portuguesa ou de qualquer outra nacionalidade — acione imediatamente o número 112, o serviço de emergência em Portugal. As autoridades locais estão preparadas para prestar atendimento rápido e encaminhar a vítima aos serviços de proteção e acolhimento adequados.”Violência não é só física: reconhecer os sinais é essencialSegundo ela, o consulado está disponível para orientar e acolher. “Caso a mulher não saiba como proceder ou não possa comparecer, poderá enviar um e-mail. Nossa equipe vai criar um canal específico e retornar o contato por telefone, oferecendo apoio mesmo à distância. No entanto, em situações de risco iminente, o primeiro passo deve ser sempre acionar a polícia. O consulado pode orientar, mas quem garante a proteção imediata são as autoridades locais.”Nássara explicou que o órgão lida com uma variedade de casos envolvendo brasileiros em situação de vulnerabilidade, com atenção especial às mulheres vítimas de violência. “Temos um número significativo de brasileiras vivendo situações de vulnerabilidade, especialmente em contextos de violência doméstica. E é essencial lembrar que violência doméstica não se resume à agressão física”, afirmou.“Ela também se manifesta na forma psicológica, como quando a mulher é impedida de circular livremente, de acessar o próprio salário ou tem seus passos vigiados. Há muitas etapas antes de chegar à violência física.”Além do socorro: proteção de criançasNássara reforçou a importância de buscar ajuda o quanto antes: “É fundamental estar atenta aos sinais e não esperar que a situação se agrave. O consulado oferece tanto atendimento jurídico quanto psicológico, e, quando necessário, fazemos o encaminhamento para serviços locais especializados.”Ela esclareceu que o papel do consulado é de acolhimento e orientação inicial. “Nosso atendimento é pontual. Não conseguimos oferecer terapia contínua, mas podemos dar a primeira escuta e indicar os caminhos adequados para que a mulher receba o apoio de que precisa.”Leia tambémXenofobia aumenta em Portugal: casos visando brasileiros registraram alta de 20% em um anoAlém desses casos, o consulado também acompanha situações como hospitalizações, ...
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  • Barbie Ferreira: a brasileira de Euphoria agora emociona em 'Um Pai para Lily' e aguarda oportunidade no Brasil
    May 18 2025
    Barbara Linhares Ferreira, ou apenas Barbie Ferreira, apesar de ter nascido e crescido nos Estados Unidos, tem origem e cidadania brasileiras, além de sotaque mineiro. Ela ficou conhecida no mundo como Kat Hernandez de Euphoria, célebre série de adolescentes e uma das mais assistidas de todos os tempos da plataforma HBOMax. Cleide Kclock, correspondente da RFI em Los AngelesAgora, Barbie volta aos holofotes de forma ainda mais íntima e sensível em uma história que a toca pessoalmente. No novo filme "Um Pai para Lily" (Bob Trevino Likes It), dirigido por Tracie Laymon, a atriz vive a protagonista, uma jovem marcada por traumas, carências e em busca de afeto, num enredo inspirado na vida real da própria diretora.Tracie e Barbie conversaram com a RFI. A atriz fez questão de falar em português, sua primeira língua. A história da cineasta e da atriz se encontram, já que como a protagonista da trama, Barbie também cresceu com pai ausente.“A Tracie não queria que eu fizesse uma personagem igual a ela. Então, a gente falou muito das nossas famílias, nossos pais e tudo mais. Depois, criamos uma personagem completamente diferente, a Lily, que é nós duas e mais alguma coisa que eu nem sei o que é. Uma menina do Kentucky que não conhece ninguém e tem esses problemas", disse Barbie.Para Tracie Laymon, escolher Barbie não foi só uma decisão artística, foi instinto.“Eu tinha visto a Barbie em Euphoria e ela estava simplesmente incrível. A personagem dela em Euphoria é muito diferente da Lily, mas eu vi as emoções, eu vi a vulnerabilidade emocional, a autenticidade que ela trouxe para sua personagem. Ela tem tanto coração, é tão real, e eu sabia que precisaria disso. Eu vi depois "Desgrávida", um filme no qual ela está, vi o humor inteligente, a sagacidade dela naquele filme. Pensei, você não costuma encontrar essa gama toda na mesma artista e era tudo que eu precisava para esse papel. Ela é literalmente a única atriz no mundo que poderia interpretar Lily”, afirma Tracie.Na trama, a personagem de Barbie busca a validação e a atenção do pai, mas se decepciona a cada momento que tenta a aproximação. Ao procurar por ele nas redes sociais, acidentalmente começa uma conversa com outro homem com o mesmo nome: Bob Trevino.“Os brasileiros vão amar esse filme. Você vai chorar, vai rir, vai ver a Lily e vai se perguntar, porque ela está fazendo isso? Mas vai se reconhecer nela também”, completa Barbie.BrasilidadeAo longo das filmagens, Tracie também se aproximou do lado brasileiro da atriz: “Aprendi a dizer ‘obrigada’, ‘Olá’, e conheci a família, a mãe e a avó dela. Elas são maravilhosas! Trabalhar com Barbie foi tão especial que ainda estou processando tudo. Mal posso esperar pra ver o que ela vai fazer depois”.Apesar de ter nascido em Nova York, Barbie só aprendeu inglês quando entrou na escola e carrega consigo uma brasilidade que transborda em seu jeito de ser, de transmitir emoções e também de dar entrevista."Ser atriz é uma coisa que é tão brasileira pra mim. Minha mãe é uma mulher que para ela tudo é um teatro, ela é uma mulher que fala alto, que conversa, que tem uma personalidade forte. Então, pra mim, ainda criança, eu sabia que isso era uma coisa que eu podia fazer, podia falar, podia ser uma mulher que é poderosa, que fala o que está pensando. Elas sempre me ajudaram a ser atriz, minha mãe, minha avó também, minha tia, todas gostam de arte. Todas na minha família são mulheres fortes, quando entram em algum lugar todos vêem que estão lá. Então, assim, não sei falar porque meu português é ruim, mas just powerful ladies (apenas mulheres poderosas)", diz Barbie.Barbie, agora com 28 anos, começou a carreira ainda adolescente com campanhas para grandes marcas e editoriais que quebraram padrões, representando corpos e vozes muitas vezes marginalizados em Hollywood. Por causa de sua atuação como modelo plus size e ativista pela causa, entrou na lista das 30 adolescentes mais influentes do mundo da revista "Time" (em 2016), na qual foi reconhecida por seus esforços no movimento que promove a aceitação e o amor a todos os tipos de corpos.Mas a brasileira ganhou ainda mais destaque pelo papel de Kat, de Euphoria, em 2019. Ela participou das duas primeiras temporadas da série e não vai estar na terceira, prevista para estrear em 2026. Esteve também no elenco de "Não! Não Olhe!" (2022), filme de Jordan Peele, e "A Casa Mórbida" (2024).Em 2023 participou de uma campanha das sandálias Havaianas, no Rio de Janeiro e agora revelou à RFI um dos seus grandes sonhos.“Trabalhar no Brasil é a coisa que eu mais quero. Seria um sonho fazer um filme brasileiro. Queria muito atuar em português, vamos ver se esse sonho um dia se realiza"."Um Pai Para Lily" está em cartaz nos cinemas brasileiros e já chegou às plataformas nos Estados Unidos.
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  • Clássico do teatro brasileiro “Vestido de Noiva” estreia em Nova York com elenco internacional
    May 16 2025
    Um marco na história do teatro brasileiro chega a Nova York em uma versão inédita. O clássico “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, terá três apresentações no Playhouse 46, entre os dias 16 e 18 de maio, com um elenco formado por artistas brasileiros e estrangeiros. A montagem celebra a diversidade da cena artística da cidade e leva ao público americano um texto revolucionário da dramaturgia latino-americana. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova YorkA iniciativa é resultado de uma colaboração entre artistas e a produtora Are We In Love?, com o objetivo de apresentar a obra ao público internacional. O ator e produtor Daniel Mazzarolo conta que a ideia surgiu do desejo de deixar uma marca na cidade: “A gente começou a conversar sobre essa vontade de deixar uma marca em Nova York, digamos assim.”Escrita em 1943, “Vestido de Noiva” é considerada a peça que revolucionou o teatro moderno no Brasil. Com estrutura não linear, a trama acompanha Alaíde, uma jovem no leito de morte, navegando entre lembranças, delírios e realidade. A peça explora temas universais como repressão, culpa, moralidade e loucura, rompendo padrões e revelando os conflitos mais profundos da psique e da sociedade.A direção é assinada por Julia Burnier, que descreve o processo como uma jornada intensa. Segundo ela, o projeto começou em janeiro, quando se reuniu com Daniel e com a atriz Ana Moioli. “Foi uma loucura. Eu queria muito dirigir uma peça aqui em Nova York. Já dirigi muito em São Paulo e vim pra cá estudar atuação. Quando começamos a pensar em qual autor trazer, escolhemos Nelson Rodrigues de cara. O público americano não conhece nada de dramaturgia brasileira, então resolvemos trazer o nosso Rodrigues. E ‘Vestido de Noiva’ é a minha peça favorita.”Julia destaca ainda que foi um trabalho totalmente independente, um verdadeiro passion project. “Você precisa de muita garra para produzir desse jeito, mas conseguimos reunir uma comunidade brasileira incrível, com artistas de várias nacionalidades — americanos, australianos — algo muito característico de Nova York.”A produção conta também com Catarina Aranha e Beatriz Silva, além de um elenco formado por Ana Moioli, Daniel Mazzarolo, Debora Balardini e Ma Troggian. Catarina, que também assina o figurino, diz ter se apaixonado pela peça ao conhecê-la por meio de Julia: “Ela me trouxe esse projeto lá por fevereiro, março. Nunca tinha lido essa peça, mas fiquei alucinada. Já tinha feito um filme do Nelson Rodrigues e amo a obra dele.”Daniel explica que, como não houve tempo hábil para aplicar a editais e buscar grants (subvenções), a equipe apostou em parcerias com empresas brasileiras sediadas em Nova York e em outras partes dos Estados Unidos para viabilizar o projeto. “Foi a forma mais rápida de conseguir o dinheiro.”No figurino, Catarina precisou adaptar os desejos criativos às limitações orçamentárias. “Tinha que ser algo possível de concretizar. Conforme a verba foi aparecendo, a gente foi criando. Foi um mergulho muito grande.”A peça e o idioma“Vestido de Noiva” será apresentado com legendas em inglês, mas adaptar o texto de Rodrigues para uma plateia estrangeira exigiu cuidados. Daniel reconhece que há uma complexidade no estilo do autor: “Tem muita coisa que a gente resolve na atuação. O texto traz uma carga melodramática, mas é uma sofisticação da cultura brasileira. Isso, pra mim, é uma grande qualidade.”Ana Moioli, que interpreta Alaíde, concorda. Para ela, o texto permite uma grande liberdade criativa, ainda que exija sensibilidade na interpretação: “O texto é muito aberto, e esse é um dos maiores valores do Nelson como dramaturgo. Ele nos dá espaço para criar, mesmo sendo fiel ao que está escrito.”Uma peça, três planosSegundo Daniel, a escolha por “Vestido de Noiva” também se deu por seu caráter disruptivo. “Dentro da obra do Nelson, essa peça é icônica. Não tem começo, meio e fim de forma tradicional. Ela viaja no tempo e entre três planos: o da realidade, o da memória e o da alucinação, todos sob a perspectiva da protagonista.”Outro contexto culturalMontar "Vestido de Noiva" em Nova York é, por si só, um feito ousado. Nelson Rodrigues, mestre em desvelar as contradições da sociedade brasileira, construiu uma obra que exige entrega total de quem está em cena. A peça, que se desenrola em três planos — realidade, memória e alucinação — é como um quebra-cabeça emocional que o público monta a partir das pistas deixadas pelos personagens. Para Fabiana, que vive na cidade há mais de oito anos, o desafio ganhou uma camada extra: o idioma.“Eu sou muito self-conscious com o meu inglês. Sempre fui”, conta ela, com franqueza e humor. “Eu brinco que... não é que vai ter um sotaque, eu sou um sotaque. Eu não consigo nem espirrar sem as pessoas me perguntarem de onde eu sou.”O enfrentamento ...
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  • Exposição em Los Angeles destaca conexões entre arte, ativismo e justiça social em São Paulo
    May 11 2025
    Los Angeles acolhe uma exposição que pode ser traduzida como um manifesto visual sobre como ocupar é também uma forma de construir. A mostra “Construction, Occupation” é um retrato da criatividade como resistência e da cidade como território de disputa, memória e esperança. Cleide Klock, correspondente da RFI em Los AngelesO Fowler Museum, espaço da Universidade da Califórnia (UCLA) que se dedica a explorar as artes e culturas do mundo com foco em contextos históricos, sociais e contemporâneos acaba de inaugurar a exposição “Construction, Occupation”, uma poderosa coletânea de obras que cruzam arte, ativismo e justiça social — com foco nas ocupações urbanas de São Paulo.A exposição reúne 24 artistas e coletivos, com obras em diferentes mídias: fotografias, esculturas, instalações, vídeos, livros e cartazes, que levam à reflexão sobre como os espaços urbanos e a vida de milhares de pessoas podem ser repaginados.“Essa exposição nasceu da vontade de contar uma história que atravessa mais de duas décadas de ocupações em São Paulo, com um eixo central que vai da Ocupação Prestes Maia, nos anos 2000, passando pela Cambridge, em 2016, até a atual ocupação 9 de Julho”, explicou a curadora Juliana Caffé.Ela também contou um pouco o que significam essas ocupações: “É um movimento político, comunitário, muito organizado, muito importante no Brasil. Eles são muito estratégicos, revelam muito da cidade de São Paulo, é um movimento que, ao longo dessas duas décadas, tem se aberto cada vez mais para o circuito artístico, para a mídia independente. Tem encontrado nessas parcerias um lugar de resistência, de colaboração e isso fica claro na exposição", detalha.Experiência interativaAs paredes externas do museu ganharam também grandes murais como parte da mostra, conectando diretamente os estudantes da Universidade da Califórnia com a memória e experiência das ocupações brasileiras.“Você vai ver um conjunto de imagens grandes que foram aplicadas na parede por meio de estêncil e, ao mesmo tempo, o coletivo disponibilizou uma série de áudios em que esses participantes, os estudantes, vão trazer um pouco da elaboração sobre as próprias experiências, as memórias e como eles chegaram nessas imagens", conta a curadora. "Para a gente era interessante, nesse esforço da exposição, trazer esses artistas que estão trabalhando com o tema da cidade ou que estão reconfigurando ou repensando ou agindo, para criar uma ponte mais direta com Los Angeles.""Ao invés de trazer algum trabalho pronto do JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube), com uma iconografia e algum projeto que eles desenvolveram com grupos e locais específicos em São Paulo, a gente aproveitou a oportunidade para trazer eles aqui, para desenvolver um trabalho junto com estudantes da UCLA", contou à RFI o curador Yudi Rafael.Quem fez essa ponte São Paulo - Los Angeles foi o professor da UCLA, Alex Ungprateeb Flynn. Como parte da programação da mostra, ele também organizou discussões de artistas de São Paulo com coordenadores da LA Poverty Department, (LAPD, Departamento de Pobreza de Los Angeles, em tradução livre) órgão que trabalha diretamente com as comunidades em situação de rua no centro de Los Angeles."São duas das maiores cidades das Américas. Tem várias conexões, no sentido de como foram construídas, até o rio submerso, lá em São Paulo, e o rio submerso aqui em Los Angeles", compara o professor da UCLA. "Eu acho que essas conexões de infraestrutura, da topografia da cidade, também se manifestam nas conexões em termos de afeto, de construção de comunidade e da estética dessas cidades. São Paulo e Los Angeles também têm uma tradição muito longa e importante de muralismo, de arte pública, de arte socialmente engajada. Aí veio também essa questão de moradia que virou, de algum jeito, uma maneira, um caminho para pensar em sintetizar essas conexões", disse Flynn.Da Cracolândia para a Skid RowRaphael Escobar, artista visual e educador social, compartilhou suas experiências da Fundação Casa (antiga Febem) e da Cracolândia, em São Paulo, tanto com os coordenadores do Departamento de Pobreza de Los Angeles que trabalham diretamente com a Skid Row (área em LA semelhante à Cracolândia), quanto com os visitantes na abertura da exposição. Ele trouxe música e vivência das ruas da capital paulista, e mostrou através de uma performance uma história de resistência.“Trouxe o vídeo o Som da Maloca, que é um projeto que eu comecei em 2017, no qual eu tenho gravado as músicas dos artistas da Cracolândia em estúdio e produzido uma grande contra-narrativa sobre o território. Então são as músicas desses artistas junto com uma narração no qual eu conto a história da música na Cracolândia desde os anos 20 ou 30 até os dias de hoje", detalha o artista. "Esse é um trabalho que tenho muito carinho e foi se desdobrando. Começou...
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  • Maestro brasileiro João Carlos Martins encerra carreira internacional com concerto no Carnegie Hall
    May 10 2025

    Na noite de 9 de maio, o Carnegie Hall viveu um desses momentos que escapam da partitura. No palco, o maestro brasileiro João Carlos Martins regeu pela última vez nos Estados Unidos.

    Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York

    Aos 85 anos, o maestro encerrou sua trajetória internacional diante de uma plateia lotada — como foi também em sua estreia, aos 21 anos, no mesmo palco nova-iorquino.

    Martins regeu a orquestra NOVUS (Trinity Church's New Music Orchestra) e, como epílogo, se sentou ao piano. Usava luvas biônicas, uma tecnologia brasileira que lhe devolveu o movimento dos dedos — o que a medicina, durante décadas, havia lhe negado. Tocou Bach, com os dez dedos, e fez o impossível soar natural. “Ganhei muitas batalhas, perdi algumas guerras”, disse ele, no palco. “Mas nunca parei de lutar.”

    Essa luta começou cedo. Aos 8 anos, já era considerado prodígio. Aos 18, gravava os primeiros discos. Aos 21, era celebrado pelo New York Times como um dos mais notáveis intérpretes de Bach de sua geração. Mas a ascensão meteórica deu lugar, quase sem aviso, a uma espiral de tragédias.

    Aos 22 anos, uma dor inexplicável começou a comprometer os movimentos da mão direita. A distonia focal — um distúrbio neurológico que atinge músicos e atletas — foi interrompendo, aos poucos, sua carreira de pianista. Vieram cirurgias experimentais nos Estados Unidos, no Brasil, na China. Vieram quedas, fraturas, uma lesão cerebral após um assalto brutal na Bulgária. Vieram os silêncios, as pausas forçadas, os dias em que a música parecia ter lhe virado o rosto.

    Fim e recomeço

    Aos 29 anos, uma crítica no New York Times o chamou de “errático”. Ele interpretou como um veredito e parou de tocar. Sete anos depois, virou empresário de boxe. Levou Éder Jofre de volta aos ringues e viu o pugilista recuperar o título mundial. “Se ele conseguiu, eu também posso voltar ao piano”, pensou.

    Mas a volta não foi imediata. Antes disso, houve o fundo do poço. “Entrei numa banheira com uma gilete para me suicidar”, contou. “Aí o telefone tocou. Era meu professor de piano. Ali, eu voltei a ter amor à música. À vida.”

    A reabilitação foi longa, e a superação virou parte do espetáculo. Quando quase todos os dedos já não respondiam, surgiu Ubiratan Bizarro Costa, um designer de Sumaré, no interior de São Paulo, que projetou uma luva biônica capaz de devolver o toque ao maestro. “Achei que era para lutar boxe”, brinca Martins. Mas quando testou a luva, chorou. O vídeo viralizou. Charlize Theron e Viola Davis compartilharam. O mundo viu, e acreditou.

    Um novo desafio: levar a música às crianças

    Mesmo diante de tantas perdas — inclusive físicas — João Carlos Martins encontrou formas de continuar. Aos 62, tornou-se maestro. Aos 85, fala agora em dedicar o tempo que tem à educação musical. Em escolas públicas de São Paulo, com copos, papéis e palitos, ensina crianças a ouvir, a tocar, a se concentrar. O método é simples, mas os resultados são visíveis no rendimento escolar e no comportamento das crianças.

    “Estou com um projeto para mostrar que o poder de concentração das crianças pode ser resgatado pela música. Isso pode mudar vidas”, diz, com a convicção de quem já mudou a própria — mais de uma vez.

    No início de 2025, outro golpe. O maestro foi diagnosticado com câncer de próstata. Passou por cirurgia e está em recuperação. Mas não parou. Quando perguntado sobre o futuro, não fala em fim. Fala em missão.

    No Carnegie Hall, encerrou-se um ciclo. Mas a história de João Carlos Martins parece sempre disposta a recomeçar — como uma sinfonia que, mesmo após o silêncio, encontra um novo movimento.

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  • Novo clipe do brasileiro Leopold Nunan transforma dor em beleza e resistência em dança
    May 3 2025

    Quando Leopold Nunan entra em cena, é impossível não dançar com ele. Colorido, intenso, provocador e magnético, ele não apenas ocupa o palco, como domina o espaço com sua presença vibrante, a voz poderosa e uma estética visual que mistura Brasil, Estados Unidos, personalidade e liberdade. É esse espírito indomável que pulsa em "C’est la Music", novo single e clipe do artista, que acaba de ser lançado. É um manifesto que transforma dor em beleza e resistência em dança.

    Cleide Klock, correspondente em Los Angeles

    O clipe, que integra seu álbum de estreia, "Leo from Rio", é uma explosão visual e emocional que celebra o poder da arte como salvação.

    "Esse filme — eu chamo de filme — sou eu usando esses personagens como uma defesa para o mundo exterior", conta Leopold, radicado em Los Angeles. “Eu adoro incorporar personagens e transformar o meu invólucro, a minha pele, usar a minha pele realmente como veículo. Isso é do Rio de Janeiro, é do Carnaval, é de ser brasileiro, é do indígena. Meu pai e minha avó têm linhagem indígena, do Piauí."

    A narrativa começa com uma cena crua e logo emerge pelo renascimento ao som da música. O vídeo mistura artes, dança, símbolos e referências à fauna brasileira e à cultura indígena, com pinturas como escudo e segunda pele — uma metáfora perfeita para o artista que se protege e se fortalece por meio da arte. Em um dos momentos mais simbólicos, Leopold aparece se transformando em uma onça-pintada, com pintura corporal feita por Glen Allen, artista vencedor de três Emmys.

    “A onça-pintada é um animal em extinção e, mesmo assim, está lá, sobrevivendo. Está lá, vítima do desmatamento e das atrocidades de governos que não querem saber de preservar a nossa natureza. Essa vulnerabilidade com essa força que me interessou", conta. "Nós, LGBT, também somos muito vulneráveis e, ao mesmo tempo, bem resilientes. A gente é forte, a gente se une, se reúne e a gente fica forte com isso", diz o artista.

    Influência de Ed Motta

    O álbum "Leo from Rio", lançado em 2024, é seu primeiro projeto completo, totalmente independente. Tem dez músicas e já deu origem a cinco clipes — cada um explorando novas camadas da identidade do artista, que mora há 23 anos nos Estados Unidos, mas que sempre vai ser bem brasileiro.

    “Eu sou o Brasil. Está dentro de mim, da minha alma, e esse álbum realmente é um raio-x dessa minha vinda para cá. Metade português, metade inglês. Eu era aquele cara carioca influenciado por Ed Motta — e Ed Motta é influenciado pela música americana", explica. "Aqui, o funk já dentro de mim é o soul music. Quando eu fui para Nova York, eu fui aprender a cantar com as cantoras de gospel no Harlem. Então, eu acho que isso também teve soul. Mas é carioca. Você tira o Leo do Rio, mas não tira o Rio do Leo", brinca.

    Brasileiros ganham espaço na Califórnia

    O lançamento oficial de "C’est la Music" aconteceu em abril, no consulado-geral do Brasil em Los Angeles, no primeiro evento de videoclipes musicais de brasileiros. O evento celebrou a força dos artistas independentes e a presença crescente deles na cena criativa da Califórnia.

    Além do filme de Leopold, o evento exibiu "The One", da cantora paranaense Carol Grando, com produção de Eduardo Orelha; e "Breaking Free", de Raquel Leal Davies, com a atriz Sophia Mayer Pliner — uma obra audiovisual inspirada no flamenco, que aborda libertação e dualidade com força poética e visual arrebatador.

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  • Beatriz Milhazes: uma jornada abstrata entre passado e futuro no Guggenheim de NYC
    Apr 20 2025

    A exposição Beatriz Milhazes: Rigor e Beleza, no Museu Guggenheim de Nova York, com curadoria de Geaninne Gutiérrez-Guimarães, oferece uma imersão única no universo artístico da renomada artista brasileira. Composta por 15 obras, sendo cinco delas provenientes da coleção permanente do museu, a mostra traça um panorama da trajetória de Milhazes desde os anos 1990 até os dias atuais.

    Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York

    A curadora destaca que a exposição não apenas celebra as "joias" da coleção do Guggenheim, mas também oferece uma visão abrangente do desenvolvimento artístico da artista, que integra a linguagem da abstração geométrica com elementos profundamente enraizados na natureza ao seu redor.

    Milhazes, que vive e trabalha no Rio de Janeiro, descreve a influência dos jardins botânicos, da floresta da Tijuca, das montanhas e até da praia de Copacabana em seu processo criativo. Esses elementos naturais permeiam suas obras, se transformando em formas geométricas e abstrações que, ao longo dos anos, se consolidaram em sua assinatura visual.

    A exposição abrange uma variedade de obras, incluindo colagens em papel de 2013 a 2021 e pinturas recentes, como Mistura Sagrada (2022), onde elementos naturais, como folhas de árvores e padrões florais, se encontram representados em cores vibrantes e formas geométricas. A paleta de cores, sempre rica e vibrante, é outro ponto de destaque, refletindo a técnica de transferência que Milhazes desenvolveu em 1989 e que permanece central em sua prática até hoje.

    Milhazes explica como essa técnica inovadora surgiu, um momento crucial para sua evolução artística: "Na verdade, foi o momento, foi em 89, que é quando eu estava precisando encontrar uma forma de expressar, de utilizar a minha linguagem, crescer e se desenvolver com mais força, e na pintura. Tudo o que eu havia anteriormente trabalhado, começou a me limitar ao invés de abrir portas para esse prosseguimento."

    Ela continua descrevendo o processo experimental que a levou à descoberta de uma nova técnica: "Eu parei para fazer realmente experimentações, através da monotipia, que é uma técnica de gravura que você trabalha com a tinta molhada. A tinta molhada que você imediatamente imprime, você passa para uma outra superfície. Você pode fazer monotipia utilizando materiais diversos", explica.

    A partir desses experimentos, Milhazes percebeu algo revolucionário sobre sua técnica: "Eu percebi que a tinta que ficava na folha de plástico, eu podia depois transferir para a tela. E isso foi uma descoberta incrível."

    Além de representar um marco na carreira de Milhazes, com duas importantes exposições recentes em Londres e sua participação na Bienal de Veneza, esta é a primeira exposição dedicada exclusivamente a ela em Nova York. A mostra no Guggenheim, portanto, não só reforça a importância de Milhazes no cenário global, mas também consolida seu papel essencial na narrativa da arte do século 20, traduzindo suas influências culturais e ambientais em um diálogo com a arte contemporânea internacional.

    "Como um panorama para quem não conhece o trabalho, vai ser interessante ver um confronto entre os anos 90, olhando para 2023", comenta Beatriz Milhazes sobre a exposição. Ela segue: "normalmente, em mostras panorâmicas você tem um percurso sobre a evolução da obra, você vai passando ao longo do tempo, por toda a história daquele artista."

    Ela também reflete sobre o impacto pessoal de ver sua obra dessa maneira: "Nesse caso existe um confronto entre os anos 90 e as obras super recentes, onde tem, no meio disso, uma pequena passagem da segunda década desse século e uma de 2004 do início do século. Então vai ser uma maneira diferente de observar. Também trouxe reflexões importantes vendo essa situação de confronto de duas épocas distantes."

    Milhazes compartilha uma visão profunda sobre sua carreira: "Eu fico muito feliz, vamos ver o sucesso que alcancei na carreira, também de mercado, mas realmente a minha grande ambição foi introduzir algo de novo, de inovação dentro do percurso da história da arte abstrata."

    A exposição é uma oportunidade única de acompanhar a evolução de uma artista que, ao longo de três décadas, conseguiu traduzir sua visão do mundo natural em formas abstratas e universais, que continuam a encantar e inspirar públicos ao redor do mundo.

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