O livro “La Révolution Des Oeillets Au Portugal – Du pouvoir populaire au pouvoir parlementaire” ["A Revolução dos Cravos em Portugal – Do poder popular ao poder parlamentar"], de José Rebelo e Maria Inácia Rezola, é lançado, em França, na semana dos 50 anos do 25 de Abril. A obra junta reportagens escritas entre 1975 e 1976 por José Rebelo, então correspondente do Le Monde em Lisboa, acompanhadas por uma contextualização histórica. Foi o período da "libertação das vozes e das utopias". RFI: Foi para o exílio, em Paris, em 1969, e entra no jornal Le Monde em 1972. Qual foi o ambiente na redacção no dia 25 de Abril de 1974? E como é que era essa primeira página de há 50 anos?José Rebelo, Autor de “La Révolution Des Oeillets Au Portugal – Du pouvoir populaire au pouvoir parlementaire”: O ambiente foi extraordinário, sobretudo da parte de alguns jornalistas franceses do Le Monde que já tinham ido a Portugal. Penso no Marcel Niedergang que conhecia bem Portugal e tinha as suas fontes de informação em Portugal. Foi ele que se encarregou nesse dia de tratar a questão portuguesa. A questão portuguesa ocupou a primeira página do jornal com títulos a toda a largura, à excepção de 'Bulletin Français' que vinha sempre à esquerda, mas em todas as outras colunas o título dizia respeito à revolução, que não se sabia ainda muito bem como é que ela ia ser dirigida. Mas o que se noticiou logo no dia 25, desde a primeira edição do Le Monde, foi que havia um movimento militar em Portugal e que a queda do regime era iminente.Volta para Portugal quando o Le Monde decide criar o posto de correspondente permanente em Lisboa. Inicia funções em Janeiro de 1975 e conta que a partir daí viveu “o período mais exaltante” da sua vida. Porquê?Exactamente. E é, aliás, por isso que escolhemos este período de 1975 e 76. Durante este período, eu escrevi cerca de 240 artigos e nós escolhemos 53 que consideramos mais significativos. E porquê? Porque 1975 foi o período da explosão popular. Foi sobretudo após uma tentativa de golpe de Estado da direita, o 11 de Março. E aí as posições radicalizaram-se à esquerda. Foi quando começaram as ocupações de casas que tinham sido deixadas pelos proprietários, muitos dos quais fugiram para Espanha, para o Brasil. Foi nessa altura que começaram as ocupações das fábricas que passaram a ser geridas por comissões de trabalhadores. Foram ocupadas propriedades agrícolas no Alentejo, os grandes latifúndios, com a criação de unidades colectivas de produção. O Partido Comunista tinha uma posição forte junto destas comunidades, impulsionando e encorajando essas ocupações. Mas o movimento alargou-se muito, não era só o Partido Comunista. Houve uma multiplicidade de organizações da esquerda mais radical que participavam também neste movimento. E, sobretudo, o que é extraordinário é que havia gente que se manifestava e gente que gritava nas ruas sem pertencer a nenhum partido. Foi uma espécie de libertação das vozes e das utopias das pessoas que pensavam que conseguiam tudo realizar e que se juntavam. Juntava-se um grupo e ocupava, mesmo sem ser com um partido político a apoiar. Nessa altura fala-se muito do poder popular, o poder popular que extravasa as próprias dimensões partidárias.O PREC, Período Revolucionário Em Curso, foi marcado por confrontos políticos e pela rivalidade entre a legitimidade revolucionária e a legitimidade eleitoral. Mas o que é certo é que viu emergir esse tal poder popular que levou a que muitos acreditassem que essa via revolucionária popular pudesse vencer. Sentiu isso?Sim, eu senti. Não estava muito claro o que é que as pessoas queriam efectivamente fazer, qual era o modelo político. Quase que podíamos pensar nesse modelo mais pela negativa do que pela positiva, isto é, pensava-se democracia, sim senhor, mas não na democracia tradicional europeia. Daí que alguns grupos e até mesmo militares fossem apelidados de terceiro-mundistas porque pensavam um bocado naquele sonho do terceiro mundo. Não havia uma ideia muito clara quanto às instituições a criar, mas havia uma vontade clara que era de fazer alguma coisa de diferente. No género de economia directa, das tomadas de decisão por grupos de trabalhadores informais, etc, sem serem enquadrados politicamente. Foi extraordinário. Depois, há uma confrontação entre duas legitimidades: a legitimidade eleitoral, sobretudo pelo Partido Socialista, e a legitimidade revolucionária, sobretudo pelo Partido Comunista. O Partido Comunista, que invocava, para defender a sua posição como expressão da legitimidade revolucionária, a resistência contra o salazarismo e os seus heróis e os anos que passaram na cadeia e as torturas a que foram sujeitos. O Partido Socialista não tinha este passado. O Partido Socialista tinha sido criado na Alemanha pouco tempo antes. O que sucedeu foi que, em 25 ...