Fernando Pereira Marques ajudou o histórico líder da LUAR, Hermínio da Palma Inácio, a fugir da prisão da PIDE no Porto, em Maio de 1969, graças a umas serras que lhes chegaram dentro de uma agenda almofadada e que depois esconderam em latas de leite em pó, mas também em pão e pantufas. Nos 50 anos do 25 de Abril, o autor de “Uma Nova Concepção de Luta” conta-nos a história dessa evasão e recorda momentos-chave desta organização de luta armada contra a ditadura portuguesa. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Fernando Pereira Marques, antigo membro da LUAR, Liga de União e de Acção Revolucionária, e autor, nomeadamente, de “Uma Nova Concepção de Luta”.“Era preciso serrar mais uma grade. E mesmo assim, ainda hoje me interrogo como é que ele conseguiu sair? Porque foi por um buraco minúsculo, não é?”, começa por contar Fernando Pereira Marques que ajudou Hermínio da Palma Inácio, líder histórico da LUAR, a fugir da cadeia da PIDE do Porto, em 1969. À luz dos dias de hoje, serrar grades de prisão parece algo fílmico, mas aconteceu. Esta história foi mais uma tremenda derrota para a PIDE e a segunda vez que Hermínio da Palma Inácio fugia de uma prisão. Algum tempo depois, ele seria descrito como “o homem mais procurado da Europa” pelo jornal Sunday Times. Palma Inácio é um símbolo da luta antifascista e fundador da LUAR, em 1967. Vinte anos antes, tinha sabotado aviões militares na tentativa do Golpe dos Generais e, em 1961, desviou um avião da TAP para lançar sobre Lisboa e outras cidades panfletos contra o regime ditatorial. A bordo do aparelho estava também Camilo Mortágua que participara no assalto ao paquete Santa Maria, no mesmo ano, e que viria a acompanhar Palma Inácio na primeira acção da LUAR: o assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967.A LUAR foi uma das organizações de luta armada contra a ditadura portuguesa e algumas das suas acções fizeram tremer o regime. Foi também o caso da própria fuga de Palma Inácio da prisão, depois da tentativa frustrada, em Agosto de 1968, da tomada da cidade da Covilhã.A detenção aconteceu por acaso e a polícia estava a léguas de imaginar que ia capturar Palma Inácio. O objectivo da acção era, mais uma vez, expor as fragilidades do regime, distribuir propaganda, ocupar a rádio local, neutralizar os postos da GNR e da PSP, levando as armas, e recuperar fundos nas agências bancárias. Mas os planos não correram como previsto e vários operacionais foram presos.Na prisão, Palma Inácio pede à irmã para lhe fazer chegar uma dúzia de serras, recorrendo à ajuda de um membro da LUAR, Ernesto Castelo Branco, que afinal era informador da PIDE. Apesar de a polícia estar a par, as lâminas acabam por entrar na prisão de Caxias, na capa almofadada de uma agenda. Em Caxias, as grades eram muito grossas, mas na prisão da PIDE no Porto, a história era outra... e a ajudá-lo a serrar as grades da cadeia estava Fernando Pereira Marques que nos contou essa fuga.As serras acabaram por lhes chegar às mãos, ainda que a PIDE estivesse a par, algo que deixa Fernando Pereira Marques ainda estupefacto pela “total incompetência” da polícia política. Primeiro, a agenda foi entregue na prisão de Caxias e depois de a recuperar e retirar as serras escondidas, a dupla arranjou formas de as dissimularem: um lote em latas de leite em pó, outro lote dentro de pães. Depois, aquando da transferência para a prisão da PIDE no Porto, levaram as serras numas “pantufas artesanais que o Palma tinha” e também nas latas de leite em pó.Quando foram transferidos para a cadeia da PIDE no Porto para serem julgados, ficaram os dois numa cela com um motorista que tinha simplesmente prestado serviços sem estar directamente implicado na LUAR. Fernando e Palma Inácio perceberam que a fuga era possível e fizeram o necessário. A evasão deu-se em Maio de 1969. [Oiça o podcast em que Fernando Pereira Marques conta alguns detalhes da preparação da fuga.] Foi precisa toda uma estratégia quase cinematográfica para ir serrando as grades diariamente, depois de retirarem os parafusos de uma janela de bandeira com um utensílio que servia para carregar o tabaco do cachimbo de Palma Inácio.Disfarçávamos o corte com uma mistura de miolo de pão e cinza. Houve até uma noite em que o Palma tentou, mas chegámos à conclusão que não era suficiente, que era preciso serrar mais uma grade. E mesmo assim, ainda hoje me interrogo como é que ele conseguiu sair porque era por um buraco minúsculo, não é?Fernando Pereira Marques era menor de idade – na lei da altura – e teria provavelmente uma pena menor. Por isso, optou por não fugir para voltar a dissimular tudo dentro da cela e para garantir o sucesso da fuga do líder da LUAR.Como já estava preso quase há um ano, não valia a pena eu estar a arriscar levar ...