A Guiné-Bissau comemora este domingo os 50 anos da sua independência. Neste quadro, a RFI propôs ao longo da semana uma série de reportagens e entrevistas alusivas à História do país e em particular ao período da luta de libertação. Hoje, no 13° capítulo desta série, evocamos o balanço destes 50 anos com a geração que participou ou foi testemunha directa da libertação do país. Embora considerem que a luta valeu a pena, uma vez que resultou na independência do país e na possibilidade de os seus concidadãos decidirem o rumo que querem colectivamente tomar, os protagonistas da guerra de libertação não deixam de dar conta de algumas decepções.Francisca Pereira, antiga diplomata e professora na escola-piloto de Amílcar Cabral, considera que não se cumpriu completamente o sonho que norteou a sua luta. "Não chegou até agora a suceder o sonho de Amílcar Cabral, porque o Amílcar para nos sensibilizar, sobretudo as jovens gerações, sempre nos dizia que temos que assegurar e nos engajar para que o país se liberte do jugo colonial (...). Temos tudo o que pode dar do bom e do melhor. Amílcar sempre dizia que 'o nosso país é rico'. Tem chuva e o nosso mar está cheio de peixe. Na agricultura, não precisamos de importar. Nós exportávamos arroz para Moçambique e tínhamos grande possibilidade de criação de animais e não só. Tínhamos já descoberto os minérios (...) Confundimos o amor, o desenvolvimento do país, com as nossas posições políticas. Muda a política, muda até a intervenção" lamenta a antiga combatente para quem se deveria "dar continuidade ao bem e ao progresso do povo".Também na óptica do jurista e universitário guineense Fodé Mané estes 50 anos não têm sido um êxito, mas ele não deixa de observar que tem havido uma maior tomada de consciência da população guineense."Não está a ser um êxito nem está a correr como estava previsto (...). Houve retrocessos até porque os primeiros 7 anos depois da proclamação da independência, sabe-se que houve alguma implementação de alguns ideais. Depois, houve interrupção daquele ideal da Guiné e de Cabo Verde porque mexia com determinadas sensibilidades. Cada país começou a caminhar isoladamente a partir de 1980. De 1980 a 1986 foi uma época em que se viu que acabou o período de graça. Aquela generosidade da comunidade internacional com um país recém-criado acabou depois de 1980. Começou-se a conhecer quais são os esforços, qual é o fardo de procurarmos ser autónomos" analisa Fodé Mané que por outro lado dá conta de uma necessidade de reconciliação interna neste país moldado pela luta e pela violência. "Não houve um processo de catarse, de tentar curar aquele sofrimento para promover um desenvolvimento mais inclusivo", considera o estudioso."Nestes 50 anos, esta espiral de violência fez com que todos nós nos tornássemos vítimas e carrascos e responsáveis por esta situação. Isto constituiu um certo entrave ao desenvolvimento. Mas o tempo tem jogado (a nosso favor). A maturidade, a consciência do povo tem estado a subir. Nós vimos que há um ano tivemos um regime que tinha tudo. Mas foi para as eleições que ele organizou e o resultado foi diferente. O povo exprimiu-se contra o próprio regime. Isto mostra uma certa evolução da consciência da cidadania, da consciência cívica. Não se apela agora à violência como forma de resolver os problemas", observa o jurista e activista.A violência que marcou a história destes 50 anos também leva o antigo combatente da guerra de libertação, o general Fodé Cassama, a apelar para a necessidade de sarar as feridas do passado e privilegiar o diálogo para o país retomar a via do progresso. "Talvez pode não ser na altura da nossa vida, mas o país vai arrancar. Mas é preciso que cada um meta na mente que o país é nosso, pertence a nós todos. Não é necessário pensar que 'sem mim, o país não pode andar'. Nós todos devemos dar as mãos e esquecer o passado porque o tempo que perdemos é muito. Perdemos um longo tempo que não permitiu o desenvolvimento do país.", considera o antigo militar.Ao fazer igualmente um apelo à tolerância, o escritor guineense Ernesto Dabo faz um balanço menos sombrio do resultado da luta de libertação, preferindo destacar que a independência da Guiné-Bissau acabou por ser o catalizador, alguns meses depois, da revolução do 25 de Abril e também da emancipação dos povos em termos de direito internacional."Não me parece que o 25 de Abril pudesse surgir se não houvesse revoltas nas colónias no período em que surgiram. Também não me parece que a conclusão da guerra teria sido mesmo tipo se não tivesse havido o 25 de Abril. Isto é para demonstrar que havia um processo em que vários intervenientes, cada um no seu espaço, foi evoluindo até se chegar a este fim", refere o autor que também participou na luta de libertação através da acção clandestina em Portugal...