A Guiné-Bissau comemora no próximo dia 24 de Setembro os 50 anos da sua independência. Neste quadro, a RFI propõe desde esta segunda-feira e até domingo uma série de reportagens e entrevistas alusivas à História do país e em particular ao período da luta de libertação. Hoje, no décimo episódio desta série, debruçamo-nos sobre a situação dos guineenses que participaram na guerra sob a bandeira portuguesa. Depois do 25 de Abril e com o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal no quadro do acordo de Argel rubricado em Agosto de 1974, ambos os países comprometeram-se a encaminhar relações de amizade e a implementar um plano de reintegração na vida civil dos cidadãos guineenses que tivessem prestado o serviço militar nas forças armadas portuguesas.Contudo, no período que seguiu a independência, perante informações sobre riscos de desestabilização por parte de unidades de elite, os chamados 'comandos africanos', foram perseguidos, presos, torturados ou executados centenas de antigos militares guineenses que tinham servido do lado de Portugal. Julião Soares Sousa, historiador guineense ligado ao centro de estudos interdisciplinares da Universidade de Coimbra, dá conta do contexto que se vivenciou na altura."A partir de 1973, depois da proclamação unilateral da independência da Guiné, houve algumas tentativas dos 'comandos africanos' de constituírem um exército à margem para depois impedirem que a independência da Guiné ganhasse raízes e provocar uma guerra civil à semelhança do que aconteceu em Angola e depois em Moçambique, mais tarde. Se não fosse o regime de Sékou Touré, provavelmente nós hoje estaríamos a falar de uma outra Guiné que não esta que nós conhecemos e que está completamente independente. Foi a partir da embaixada da Guiné Conacri no Senegal que se descobriu as movimentações dos 'comandos africanos' a fazerem penetrar armamento vindo de Lisboa lá com o apoio de alguns grupos aqui da extrema-direita", relata o universitário.Foi também no âmbito do acordo de Argel que Portugal se comprometeu "a pagar as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tivessem direito quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivo de serviços prestados às forças armadas portuguesas".Contudo este compromisso não foi respeitado segundo Amadu Jau , presidente da ADECOFARP, Associação dos ex-Combatentes Deficientes das Forças Armadas Portuguesas na Guiné-Bissau. Ao referir que continuam vivos apenas 5 mil dos cerca de 40 mil guineenses que terão servido sob a bandeira portuguesa durante os anos 60 e 70, o dirigente associativo reivindica o pagamento de pensões para esses veteranos de guerra e a restituição da nacionalidade portuguesa. "Todos foram defensores da pátria portuguesa. Agora, a situação com que nos estamos a deparar é uma situação de abandono por parte de Portugal", argumenta.Abel de Barros, antigo militar guineense que lutou sob a bandeira portuguesa, refere que foi recrutado e que não foi voluntariamente para o combate. "Fomos recrutados mediante uma lista nominal e fomos à inspecção, fomos recrutados e fomos cumprir o nosso serviço em Bolama e dali, prestamos juramento à bandeira e fomos distribuídos para as unidades", conta o antigo combatente. Questionado sobre a eventualidade de ter ponderado alistar-se do lado independentista, o veterano de guerra nega. "Concretamente, éramos colonizados, sob o regime português, portanto não podíamos ir para a luta de libertação", explica.Também antigo militar guineense inserido no exército português, António Dadi Camará conta que foi chamado para ir cumprir o serviço militar e que não tinha entrado na guerra por convicção. "Eu estava empregado na câmara municipal de Bissau" começa por contar o veterano referindo que "quando chegou a hora de ir para tropa, era necessário ir cumprir a sua missão" e que "como português, foi cumpri-la". Relativamente ao período que seguiu a independência e as perseguições de que foram alvo os militares guineenses que tinham combatido do lado do regime colonial, o militar dá conta de mortes "bárbaras". "Alguns tiveram que fugir mas depois tiveram má sorte. Não gosto de estar a recordar o que se passou aqui na minha terra", refere o antigo combatente antes de concluir num suspiro, "é a guerra".A partir desse momento, entrou-se num novo ciclo de caos na óptica do historiador Julião Soares Sousa. "Creio que o regime aí cometeu alguns erros porque nem toda a gente que foi metida dentro desta situação concreta de alguns sectores residuais dos 'comandos africanos' esteve metido em nada. Algumas dessas pessoas acabaram por ser mortas. Isto é um aspecto que nós podemos enquadrar naquele período revolucionário da independência e que, às vezes, impede que as pessoas pensem bem naquilo que estão a fazer. O facto de ter havido algum grupo residual dos 'comandos africanos' a tentar ...