Islamofobia à francesa: racismo sistêmico se traveste de 'neutralidade' para excluir muçulmanos Podcast Por  arte de portada

Islamofobia à francesa: racismo sistêmico se traveste de 'neutralidade' para excluir muçulmanos

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Um relatório oficial sem provas reativou, na França, a figura do muçulmano como "inimigo interno". A islamofobia, longe de ser um desvio, tornou-se linguagem institucional — e disfarça, sob a ideia de laicidade, um racismo sistêmico. Thomás Zicman de Barros, analista políticoNa França de hoje, o racismo nem sempre aparece de forma explícita. Em vez de falar diretamente sobre raça, ele se disfarça de preocupação com a religião — quase sempre, com o Islã.A figura do muçulmano acaba reunindo, num só alvo, preconceitos franceses ligados tanto à cor da pele, quanto à fé. No Brasil, os debates sobre racismo e sobre a presença da religião na política ganharam força nos últimos anos, mas costumam seguir caminhos separados.Na França, ao contrário, esses temas se misturam. Em nome de uma suposta neutralidade do Estado — o chamado princípio da laicidade —, a exclusão de certos grupos se torna não só tolerada, mas legitimada.Essa lógica ficou escancarada mais uma vez na última semana, com a publicação de um relatório oficial do Ministério do Interior francês que denuncia — sem apresentar nenhuma evidência concreta — uma suposta tentativa de infiltração da Irmandade Muçulmana nas instituições republicanas.A Irmandade é um movimento islâmico fundado no Egito, que defende a organização da sociedade com base em princípios religiosos. Já foi uma força política relevante em alguns países, mas hoje está em franca decadência. Como em qualquer sociedade democrática, grupos fanatizados — de qualquer orientação ideológica ou religiosa — devem ser acompanhados com atenção dentro dos territórios.“Ameaça” internaNo entanto, os dados disponíveis indicam que apenas uma parcela ínfima dos muçulmanos na França se identifica com posições dessa natureza. Mesmo assim, o relatório francês, intitulado “A Irmandade Muçulmana e o islamismo político na França”, mistura suspeitas vagas e insinuações, sugerindo que qualquer cidadão muçulmano poderia ser um agente infiltrado do fanatismo religioso.A rigor, não deveria passar de um panfleto com teorias conspiratórias típicas da extrema direita. Apesar disso, o relatório foi recebido com estardalhaço pela imprensa francesa, pelo próprio governo, e pelo presidente Emmanuel Macron, que decidiu convocar o Conselho de Defesa — uma instância reservada normalmente a discutir guerras e ameaças externas — para tratar da “ameaça” interna.Racismo instrumentalizadoChama atenção o fato de que, hoje em dia, e cada vez mais, o muçulmano ocupa na França o papel que cabia ao judeu há 100, 120 anos. São grupos discriminados, marginalizados, mas aos quais se atribui superpoderes. O "inimigo interno", insidioso, invisível.O muçulmano hoje, como o judeu no passado, estaria por todos os lados, e controlaria — ou tentaria controlar — o país na surdina.É importante lembrar que a islamofobia não é exclusividade da extrema direita. Ela se faz presente por todo o espectro político francês — na direita, no centro e até mesmo em parte da esquerda dita “republicana” — tornando-se compatível com os racistas históricos e até ajudando a normalizá-los.E não se trata aqui de uma mera tática eleitoral para conquistar um eleitorado racista ou para desviar o foco de problemas reais — embora também seja tudo isso —, mas do reflexo de uma hegemonia cultural profundamente enraizada. A islamofobia impregnou alguns dos princípios fundamentais da cultura política francesa.Leia tambémPichações islamofóbicas em centro muçulmano chocam a França dois dias antes do RamadãEla colonizou noções centrais do republicanismo francês, a começar por seu pilar fundante: a laicidade, o princípio da separação entre Estado e religião. A forma como essas ideias são entendidas hoje reproduz em seu cerne a islamofobia. Por isso, o racismo que ela perpetua é sistêmico.Vale lembrar como o princípio da laicidade se instalou como fundamento da república na França. Faz exatos 120 anos, na esteira do caso que criou o antissemitismo moderno: o chamado affaire Dreyfus. A ideia, na época, era proteger o cidadão contra o Estado que quisesse impor uma religião ou perseguir minorias. Uma aspiração mais do que legítima.Ocorre que, na segunda metade do século passado, com a chegada de povos não brancos vindos das antigas colônias à França metropolitana, o que deveria ser uma garantia de liberdade para todos se converteu, na prática, em instrumento de exclusão. Ao invés de proteger o cidadão contra o Estado, a laicidade passou a ser usada pelo Estado para policiar os modos de vida de certos cidadãos.Cerco aos muçulmanosEsse processo se intensificou nas últimas duas décadas, quando o cerco aos muçulmanos se fechou com ainda mais força: leis que proíbem o uso do véu islâmico em escolas públicas, em universidades e, mais recentemente, em competições esportivas; tentativas...
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